sexta-feira, novembro 23, 2007

A Adoração dos Magos

Gentile quer salientar que o instante místico acontece no cotidiano. A caça é essencialmente "naturalidade educada", é considerada uma forma de vida ideal, adequada às cortes. Sendo a forma de vida escolhida, é também um momento religioso (a revelação divina também é vista como algo reservado aos privilegiados). Enfim, o ideal estético é sentido como ideal de vida (acontece agora no gótico internacional, acontecerá séculos mais tarde no Maneirismo e no Art Nouveau); dessa forma, é impossível uma distinção entre arte e vida, é impossível conferir à arte uma função específica.

Masaccio reagirá contra essa situação. (...)

Masaccio diz que a arte não se identifica com a vida, mas está fora do espaço da vida, num outro espaço e num outro tempo claramente distintos. A arte não se identifica com o ideal da vida dos príncipes, aliás, não se identifica com nenhum tipo de vida; é uma disciplina como a ciência (ninguém pensaria na física nuclear como o ideal de sua existência, porque a ciência é uma disciplina praticada no interior da coletividade, mas por especialistas). A arte não é o belo da natureza e não é sagrada. A arte é algo feito pelo homem e por isso diz respeito à responsabilidade moral dele. Procurar um álibe para a arte no "belo" da natureza é um erro, assim como é um erro procurar justificativas da ação histórica dentro da natureza.


(Giulio Carlo Argan. In: Clássico anticlássico)

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Gentile da Fabriano, Adoração dos Magos, 1423


Masaccio, Adoração dos Magos, 1426

2 Anátemas

Blogger TatiResinentti disse...

Este trecho ilustra bem a concordância que existe acerca da função utilitarista da arte (que só se presta a um fim qualquer que não sua fruição). Aliás, Thiago, creio que grande parte das análises é pontuada por este olhar histórico-científico sobre a obra que, apesar de válido, se revela bastante limitante. Ezra Pound ilustrou bem o assunto numa frase em que afirma que podemos reconhecer um mau crítico porque ele começa a falar do poeta e não do poema. Em suma, um juízo que só se valida a partir de um "a priori" que não a arte em si.

8:56 AM, novembro 27, 2007  
Blogger Unknown disse...

Olá, Thiago! Primeiramente, obrigada por visitar minha "casinha".

Sim, nós concordamos que a arte está nela própria, que é intrínseca à obra, mas também acredito (e neste ponto, não pretendo um comentário impessoal) que a arte também está no fruidor.

Quaisquer "contextualizações e de agrupamento histórico-científico ou psico-sociológico", para utilizar suas palavras, devem contemplar o sujeito que usufrui do texto, tela, música, enfim, qualquer que seja o objeto artístico em questão.

Não li Gentile mas acredito que quando ele fala em uma "responsabilidade moral", esta talvez englobe o processo de percepção da obra (no caso do artista, de criação dela), aquilo que emana da arte e se introjeta sujeito, entende?

Por isso, não há como não concordar com você quando afirma "a arte não está lá, está nela", mas também está nele, o fruidor. No final, a arte é mais de quem a aprecia que necessariamente de quem a cria ou a justifica.

O que acontece frequentemente nos dias de hoje é que as pessoas adotaram um critério que me parece um tanto controverso de julgamento da arte.
Assistiu a um bom filme? Para sabermos quão bom ele pode ser, me diga quem é o diretor?
Recomenda uma peça? Em que teatro e quais atores estão em cena?
Quer ler um livro digno deste nome? Os dez melhores best-sellers!

A qualidade foi barganhada pelas prerrogativas já sedimentadas e "a confiança e uma valorização excessiva da figura do autor" é apenas a re-re-reutilização de uma fórmula "vencedora". Em time que está ganhando não se mexe, não assim que dizem? Oferecer explicações-norteadores para arte é também muito mais fácil que deixá-la fluir, não?

Continuemos a conversa, sim!

11:16 PM, novembro 27, 2007  

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