sábado, outubro 06, 2007

A influência da engenharia nas artes nacionais

O que faz viver, isto é, não subsistir, nas sociedades? A antitradição, a tendência para não permanecer. E a tendência para não permanecer tem só uma forma - o apego ao não passado, ao não presente, e ao não futuro. Isto quer dizer o apego ao abstrato e ao ideal em que não se confia. Por isso a força que conserva as sociedades é a inteligência de abstração e imaginação.

A inteligência de abstração e imaginação tem duas formas - a matemática e a crítica. A matemática abstrai de toda a experiência, exceto da essência da experiência; o único critério da verdadeira objetividade que temos é o critério da matematização. A crítica abstrai de toda a experiência exceto de ela ser nossa; o único critério de verdadeira subjetividade que temos é o da confrontação, não das impressões com as cousas, mas das cousas com as nossas impressões.

Deve compreender-se que entendo por crítica toda a atividade crítica: a crítica, no sentido em que emprego a palavra, inclui toda a forma de atividade que ou não aceita, ou quer substituir a objetividade da experiência. Assim, a arte é uma forma de crítica, porque fazer arte é confessar que a vida ou não presta, ou não chega. Assim, também, a parte por assim dizer dogmática da religião (não a sua parte social nem sua parte metafísica) é uma forma de crítica, porque crer numa cousa sem ser com uma razão, embora aparente (como acontece na metafísica, que procura explicar), não sendo essa coisa um elemento da experiência (objetiva), é querer substituir essa experiência...

A crítica é, em suma, todo o artifício que é feito com inteligência, e sem fim social nenhum. Desde que sirva um ideal em vez de uma impressão, a crítica é falsa como crítica, não é crítica, em suma, mas só opinião.


(Álvaro de Campos. In: Idéias Estéticas da Arte)