sexta-feira, agosto 31, 2007

Paul Celan V

PILHA DE PALAVRAS, vulcânica,
afogada pelo rugido do mar.

Em cima,
a onda crescente da multidão
dos anti-seres: içaram
bandeiras - imagem e imitação
cruzam-se transitórias tempo fora.

Até que tu projectes para
longe a lua-de-palavras que faz
acontecer o milagre
e gera
crateras-como-corações
nuas para os começos,
para régios
nascimentos.

(tradução de João Barrento)


[Paul Celan. In: Sopro, Viragem]

quinta-feira, agosto 30, 2007

Paul Celan IV

ERRÁTICO

Gravavam-se as tardes por
baixo dos teus olhos. Sílabas re-
colhidas pelos lábios - belo
círculo silencioso -
ajudam a estrela rastejante
a chegar ao seu centro. A pedra,
antes perto das têmporas, abre-se aqui:

assististe
à explosão de todos
os sóis, alma,
no éter.


(tradução de João Barrento)


[Paul Celan. In: A Rosa de Ninguém]


quarta-feira, agosto 29, 2007

Paul Celan III

UM OLHO, ABERTO

Horas, cor-de-Maio, frescas.
A não mais nomeável, quente,
audível na boca.

Voz de ninguém, outra vez.

Dolorosa profundidade do globo ocular:
a pálpebra
não barra o caminho, a pestana
não conta aquilo que entra.

A lágrima, a meio,
a lente mais nítida, ágil,
traz-te as imagens.


(tradução de Y. K. Centeno)


[Paul Celan. In: Grelha de Linguagem]

terça-feira, agosto 28, 2007

Paul Celan II

NO VERMELHO TARDIO

No vermelho tardio dormem os nomes:
um
é despertado pela noite
e levado com bastões brancos
para a muralha sul do coração
sob os pinheiros:
um, de origem humana,
vai até à cidade de barro
onde a chuva se acolhe amiga
de uma hora marítima.

No azul
pronuncia uma palavra-árvore promissora de sombra,
e o nome do teu amor
acrescenta-lhe as suas sílabas.


(tradução de Y. K. Centeno)


[Paul Celan. In: De Limiar em Limiar]

segunda-feira, agosto 27, 2007

Paul Celan I

ESTOU SOZINHO, coloco a flor de cinza
no corpo cheio de negrume amadurecido. Boca de irmã,
tu dizes uma palavra que sobrevive diante das janelas,
e sem ruído trepa, o que eu sonhei, por mim acima.

Estou de pé na profusão das horas murchas
e poupo uma resina para um pássaro tardio:
ele traz o floco de neve nas penas vermelho-vivo;
com o grão de gelo no bico, atravessa o verão.


(tradução de Y. K. Centeno)


[Paul Celan. In: Papoila e Memória]

sexta-feira, agosto 24, 2007

Moral e estilo

Qualquer escritor pode fazer a experiência de que quanto mais precisa, escrupulosa e adequada ao assunto for a maneira de ele se expressar, tão mais difícil de se compreender será considerado o resultado literário, ao passo que, a partir do momento em que formular de forma um tanto relaxada e irresponsável, ver-se-á gratificado com uma certa compreensão. De nada adianta evitar com ascetismo todos os elementos de uma linguagem especializada, todas as alusões à esfera cultural que não existe mais. Ao contrário, o rigor e a pureza da articulação lingüística, por maior que seja a sua simplicidade, criam um vácuo.
(...)
A rigorosa impõe uma compreensão inequívoca, um esforço conceitual, do qual as pessoas perderam o hábito, exigindo delas diante de todo conteúdo a suspensão dos juízos habituais e, deste modo, um certo afastamento, a que elas resistem violentamente. Apenas aquilo que elas não precisam compreender primeiro é tido como compreensível; só aquilo que, em verdade, é alienado, a palavra cunhada pelo comércio, é capaz de tocá-las como algo familiar. Poucas coisas contribuem tanto para a desmoralização dos intelectuais. Quem quiser subtrair-se a ela, tem que considerar todo conselho a dar atenção à comunicação como uma traição ao que é comunicado.


[Theodor W. Adorno. In: Minima Moralia]

quinta-feira, agosto 23, 2007

Yellow, Red, Blue


Wassily Kandinsky, 1925

terça-feira, agosto 14, 2007

Bird in Space



Constantin Brancusi, 1923